Saudade de coisas velhas e antigas, de costumes passados e de situações que só pude viver antes de perceber que realmente eu já tinha crescido e que tinha perdido quando eu ainda era criança.
Sinto falta do cheiro de café do coador que exalava na cozinha da minha avó, sinto falta das brincadeiras de rua ao olhar atento dos mais velhos que sentados na calçada e suas cadeiras de balanço, conversavam, ficavam em silêncio, liam e tricotavam, vez por outra passava um vizinho e por nome todos se conheciam, alguns eram compadres outros inimigos, todos sabiam a descendência de todos, antes o fator família importava, a família queria e prezava por tê-la, alguns erravam, uns eram expulsos, depois voltavam, outros não voltavam iam embora como filhos pródigos. Sinto falta da autoridade e frieza do meu avô, onde um único olhar bastava para todos os netos ficarem quietos e da brandura da minha avó que consolava a todos e explicava o que realmente aquele olhar significa: olhar de amor-disciplina, e pedia que todos fossem dá um beijo de boa noite nele, me lembro de que a gente morria de medo e ia, meu avó dava a bênção, e não falava nada a mais, sua frieza não permitia, mas certo dia, eu consegui ver um sorriso tímido e feliz de um canto de boca, enquanto todos os netos saiam de seu quarto, acho que esse era um sorriso-amor-disciplina.
Sinto falta de brincar de boneca, chá de cozinha, onde gente pequena queria ser gente grande... Até chegar àquela bola de futebol dos garotos que estragava a brincadeira, fruto de um chute mal mirado ou proposital, que quebra e bagunça tudo e toda a brincadeira das menininhas. Logo em seguida estão meninas correndo atrás de meninos pra bater e ensinar uma bela lição, um que sempre ficava pra trás, por ser lento, é pego e leva a surra das meninas por todos os meninos, até que chega o reforço, meninos com sapos da lagoa do outro lado da linha do trem, aquele que no final de semana todos iam ,escondidos dos pais, tomar banho, todas as meninas correm com medo e largam o “saco de pancadas”, mas sempre tem uma que não tem medo de sapo e fica, pra brigar, e num piscar de olhos tudo isso da margem pra brincar de esconde-esconde ou policia e ladrão, logo já não se sabe o que gerou a confusão inicial e não se separa mais em dois grupos: de meninos e meninas, e sim, em um único grupo, amigos de rua. Mas um sempre cai e se machuca e fica de fora só olhando, ou ignora o machucado e volta pra brincadeira, e no fim do dia, depois de futebol misto, corrida, bola de gude, pega-pega, baleada, conversas... Sempre as mães se juntam e uma a uma vem chamando seus respectivos filhos, seja pra tomar banho ou pra jantar, mas antes de entrar em casa sempre leva a velha bronca “você está imundo, o que andou fazendo, porque não fica quietinho?!Vou falar pro seu pai quando chegar!”.
A janta tem gosto de comida feita em panela de barro, com tempero caseiro e com muito amor materno, toda posta organizadamente, o pai chega e é uma festa, crianças correm pra um abraço eufórico e diário, a mãe acompanha atrás, um beijo meigo faz um sorriso sair dos lábios de ambos, as crianças jantam e como num cansaço justificado caem adormecidos no sofá enquanto o pai assiste o jornal abraçado com sua dama, e desligando a tv ambos levam um por um ao quarto, devagar pra não acordar, mas depois com direito a um beijo forte para que sintam o poder de um beijo que protege contra todos os maus sonhos...
Minha velhice era essa... Infantil e pura. Existia TV, mas ela não me saciava, o que me saciava era correr pra casa dos meus avós, brincar com meus amigos de bairro, fugir de encrenca, chorar quando cair, assoprar joelho ralado, roubar manga do pé, nadar em lago proibido, empinar pipa, curiar na brecha das portas, bolar um plano pra pegar os doces mais gostosos e escondidos pela minha avó, levar cachorrinhos de rua pra dentro de casa, levar bronca e ter de devolver pra rua, criar clubinhos, comer jabuticaba do pé, correr descalço, levar bronca, fugir de casa, se esconder na esquina, esperar anoitecer e desistir, voltando pra casa faminta, dia de chuva que significava tedio em casa, ficar doente e receber a turma toda que implorava, inutilmente, para que minha mãe deixasse sair pra brincar, sorrisos... Lembranças, simplicidade e cumplicidade... Eu tive! Não quero que volte... Quero apenas lembrar... Da minha velhice quando ainda era criança.
(Ingrid Vita)
bem...sabe aquela cara de bobo, poise, foi assim que eu fiquei depois de ler seu texto, me veio um filme na cabeça, muitas dessas situaçoes da infacia...foi bem legal.
ResponderExcluirnao tem muito o que falar, acho que só pode ser sentido. mais uma vez me rendo a suas palavras...
Tenho essa sensação tambem...que certos textos, vc consegue sentir, ir pro passado e lembrar momentaneamente a emoção daquela experiência ou até ir pro futuro, consguindo até imaginar cenas nunca antes vividas...gosto particulamente dessa parte ao ler um bom livro! Por isso gosto tanto de ler!
ResponderExcluirE quanto a vc?! Seus comentarios são sempre especiais pra mim, mesmo que eles só venha com uma simples carinha ( :D)! Grata! *-*